sexta-feira, 2 de agosto de 2013

A terra das meninas peladas pela quimioterapia


Maria Maria

Todos os dias são de festa para quem acredita em cigarras, rãs que falam, árvores que oferecem frutos e que, no final das contas, são meninas disfarçadas em laranjeiras, além, é claro, de meninos que têm um olho azul e o outro preto. Assim diz a obra infantil do alagoano Graciliano Ramos A terra dos meninos pelados.
Não tão distante, como em Tatipirun, existem seres humanos semelhantes àqueles de todas as formas e olhos de cores distintas, sobretudo, meninas sem uma das mamas, meninos sem braços e todos sem cabelos porque tomam uma medicação que faz as células boas morrerem, atendendo ao apelo do cérebro - nossa terra primordial- responsável pelos processos criativos da mente.
Da mesma forma que Raimundo, personagem principal da obra Graciliana, há uma multidão estigmatizada pelo fato de apresentarem plásticas físicas diferenciadas das demais quando estão em processo quimioterápico. São criaturas de diversas classes sociais, caracterizadas como doentes de um mal incurável ou sentenciadas de morte. Somos nós, protagonistas da vida real, não atores que dão vida a estereótipos criados pelos escritores nas novelas ou gêneros afins.
O câncer é uma doença que, graças à tecnologia, à ciência e a fé em descobrir caminhos que levem a bons resultados, é curável, especialmente quando diagnosticado a contento.
Em tratamento contra uma patologia mamária, descoberta através de um exame de rotina, estou uma menina pelada; não há pelos por todo o corpo. Para sentir-me mais feminina utilizo lenços, chapéus e toquinhas, acessórios de moda que me ajudam a subir a auto-estima, exigida pela vaidade.
Não saio muito durante o dia para preservar a pele dos efeitos causados pelo sol escaldante do Seridó, também fico mais tempo em casa a fim de evitar possíveis problemas com bactérias. O fato de encontrar-me limitada a atividades rotineiras não significa dizer que estarei fadada ao isolamento ou afastada de grupos sociais, uma vez que o câncer não é contagioso. Todavia é importante compreender que um organismo receptor de substâncias químicas fortes está, naturalmente, com suas defesas fragilizadas e aptas a receber vírus que poderão comprometer a saúde do paciente.
À parte isso, a terra das meninas peladas pela quimioterapia, está se expandindo em proporções gigantescas. As meninas disfarçadas em laranjeiras vivem no universo da imaginação de Raimundo e nas terras de Tatipirun. As nossas meninas não se metamorfoseiam feito borboletas. Não. Elas procuram meios de ganharem asas por si mesmas, de voarem em busca de soluções viáveis que as livrem da opressão que sentem ao receberem a informação de que estão acometidas de uma doença grave, porém curável. As nossas meninas não são bobas, muito menos “desparafusadas” feito Talima, uma moradora da terra ficcional. Meninas de verdade vão à luta e não têm medo de pronunciar a palavra Câncer, não dizem “aquela doença, Ca” como se a expressão e essas duas letras juntas afugentassem a doença de si mesmas. Para mim, que estou provisoriamente pelada, Ca não é sigla para ser dita dessa forma. Significa Coração atento.
Na terra das meninas peladas pela quimioterapia, não há preconceito e nem discriminação. Todas têm o direito de verem girassóis, pensando serem laranjeiras, pirilampos enfeitando carecas, rãs conversando com flores, Raimundos podem visitar o rio das Sete Cabeças sem o receio de vê-lo abrir-se e fechar-se como o Mar Vermelho bíblico. E assim seguimos, guerreando, abatendo dores com o pensamento positivo e incentivando os filhos da terra real a realizarem exames periódicos com a intenção de prevenir para não remediar.

A autora é poeta e professora.

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