terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Circo D´Itália: A dor e a delícia da vida circense em busca do respeitável público


Cefas Carvalho 

Circos de pequeno e médio porte invariavelmente remetem a uma nostalgia, a um resgate de um passado não muito distante, mas que, pelos avanços tecnológicos, parece ter existido a uma eternidade. Essa foi a primeira impressão deste repórter a, na noite de sexta-feira dia 6 de junho de 2014, chegar à bilheteria do Circo D´Itália, instalado na ocasião em terreno baldio em frente à indústria Gerdau, por trás da Brasinox, no bairro chamado de Parque Industrial, no município de Parnamirim, a pouco mais de 3km do recém desativado Aeroporto Internacional Augusto Severo.
O circo havia estado três semanas antes em Cajupiranga, também em Parnamirim, onde havia iniciado os contatos com a equipe do circo na intenção de produzir a reportagem. A mudança de bairro fizera bem ao circo. "Estas três semanas estão sendo de casa quase cheia e muito contato com a população do bairro", afirmou o secretário, relações humanas e porteiro do circo, Alexandro Barbosa, o Alex, antes mesmo do espetáculo começar. O dono do circo, o palhaço Xereta, estava organizando o início do espetáculo de maneira que foi marcada entrevista e conversa para o domingo dia 8 de junho, dois dias depois, dia em que o circo funciona com matinê (às 17h) e noturno (às 20h30). Alex parecia satisfeito com a lotação da sexta, motivada em parte pelo preço promocional da sexta (R$ 2,00 por pessoa, adulto ou criança).
Observando em volta, a atmosfera de nostalgia se faz presente. A lona do picadeiro no centro, cercada pelos trailers das famílias e funcionários do circo, além da área de lanches e caminhões. Como a noite é para observar o funcionamento externo, percebe-se que muitos jovens se fazem presentes. Um funcionário que não quer dizer o nome explica que nas sextas sempre há mais jovens em grupos, tanto pelo fator do preço barato como porque eles colocam o circo como começo da saída da noite de sexta. Pouco mais de 300 pessoas na noite de sexta e boa movimentação na área de lanches, importantíssima no faturamento do circo, administrada por Maria, esposa de Alex. Os produtos vendidos são cachorro quente, batata frita, algodão doce e maçã do amor, além de refrigerantes. Devidamente experimentados - e aprovados - por este repórter os dois primeiros itens, é marcada com Alex uma visita para o domingo, dia maior do circo.

Antes das 15h30, chego ao circo, ainda em começo de preparação para o espetáculo das 17h30, tudo bem tranquilo, como se todos soubessem exatamente o que lhes compete fazer. Conhecer o dono do empreendimento, Josemar Soares da Silva, o palhaço Xereta. Alto (1,90 de altura), simpático, jovem (33 anos) e articulado, ele conversa sobre como tudo começou. "Na prática, minha vida de circo começou quando eu era criança, tinha 10 anos, eu e um amigo de infância um pouco mais velho, que hoje é o palhaço Macarrão (dono do Circo Royal, que se instala em bairro de Natal) montamos um circo no quintal da minha casa, no bairro de Felipe Camarão. Essa iniciativa deu tão certo que virou uma coisa constante, atraindo gente e até mesmo reportagens da TV Ponta Negra e da extinta TV Manchete, que se espantaram à época de duas crianças empreenderem um circo em funcionamento no quintal de uma casa", recorda.
Dois anos depois, com o circo em funcionamento, um fato inusitado: "A Fundação José Augusto mantinha um circo-escola de pequeno porte e nos passou a administração dele. Acabei sendo o responsável pelo circo, que chamamos de Circo União, de maneira que com 12 anos era, na prática, o dono dele, talvez o mais jovem dono de circo da história do Rio Grande do Norte", diverte-se.
O sonho do circo dos pré-adolescentes terminou quando o pai de Josemar proibiu o filho de dar continuidade ao circo. "Dessa forma, nos desfizemos da estrutura do circo, que tempos depois acabou desativado e levei a sério os estudos, terminando o, na época, segundo grau. Terminando os estudos com 18 anos, decidi me dedicar de vez ao circo, comuniquei minha decisão a meu pai, que teve de aceitar, e fui trabalhar no Circo Beija Flor e depois no circo do palhaço Facilita (primeiro circo que assisti na vida, quando criança), que me ensinaram muito. Na época eu era malabarista e equilibrista. Curiosamente, hoje Beija Flor, que desativou o circo há anos, trabalha comigo", lembra.


O PRÓPRIO CIRCO
De tanto trabalhar e com espírito empreendedor, veio a segunda etapa da sua carreira circense: abrir o próprio circo, com o dinheiro economizado e a ajuda de familiares e amigos. Em 2007, Josemar inaugurava, então, o Circo D´Itália. Juntando profissionais do circo, amigos e ex-companheiros de trabalho, esbarrou em uma tradição circense: "Pelo menos no Nordeste em circos de médio e pequeno porte, o dono do circo tem de ser um palhaço. É o que segura o circo, o que chama o público, a alma do negócio, enfim", analisa. Criou coragem segundo suas próprias palavras, e encarnou o Palhaço Xereta, se valendo da altura, da voz possante, do bom humor e da observação dos palhaços com quem trabalhou.
Nos sete anos do início do circo até junho de 2014, sua vida profissional e sua vida pessoal se mesclaram e se consolidaram. O Palhaço Xereta agradou os espectadores e o circo ganhou mundo. Percorreu municípios do interior do Rio Grande e desceu para cidades da Paraíba e Pernambuco durante anos até que em 2013 resolveu se firmar novamente em solo potiguar, priorizando bairros de Natal e Parnamirim (além dos citados, o circo vai com frequência a Bela Vista e Joquei Clube), e já se preparando para chegar a Ceará-Mirim e São Gonçalo do Amarante.
Como o adolescente apaixonado por circo cresceu no processo, casou-se com Carla e teve Laiane e Mateus. Este, de 4 anos, é uma espécie de mascote do circo e atração à parte. Desenvolto, acaba participando dos espetáculos e já mostra talento para o humor. Indagado sobre a cultura dos circos serem núcleos familiares, Josemar confirma que é inevitável que isso aconteça, tendo em vista o caráter itinerante do circo e a própria atração que o universo circense exerce sobre as crianças.
Mas, nem só de delícias vive o universo circense. As dificuldades são muitas e a pergunta "É possível arrecadar o suficiente para manter o circo e remunerar a todos?" acaba sendo inevitável. "É difícil, sim, muito difícil, a gente vive e trabalha no limite. Os gastos são muitos e as necessidades de alimentação e locomoção também", explica. Ele cita como exemplo de gasto a lona central, que precisa de resistente e de qualidade, sob pena de afundar qualquer circo, e que custa R$ 50 mil e necessita ser trocada a cada três anos em virtude do desgaste natural de sol forte e chuvas.
Outro problema vivido por quem mantém um circo são as taxas e alvarás. Josemar se mostra elegante e diplomático, mas, deixa escapar que em alguns municípios os fiscais são mais rigorosos que em outros. "Uma taxa de, por exemplo, quinhentos reais, é quase nada para uma Prefeitura, mas, uma fortuna para nós principalmente em virtude dos preços que cobramos, que são os valores que a comunidade pode pagar", desabafa.
A conversa com Josemar poderia durar horas, mas ele é lembrado que em pouco tempo o espetáculo começaria e no papel duplo de se maquiar para encarnar o Palhaço Xereta e administrar o empreendimento ele pede licença e o repórter vai conversar com Alex, que administra o pessoal da bilheteria, lanches e dá uma força na portaria quando o fluxo de espectadores está maior. Igualmente simpático e solícito, Alex tem história oposta a de Josemar. Nasceu em família circense, filho do Palhaço Rum Montilla e de Francisca, que trabalha com fogo em circos de pequeno porte. Criança que se formou nessa atmosfera, tornou-se o Palhaço Cocorote, mas, em alguns anos, após trabalhar em circos como Califórnia, Mônaco e Santino, decidiu que preferia a parte burocrática do circo e especializou-se em secretariar circos. "Tentei abandonar o mundo circense, fui empresário de doces e algodão doce, mas não me acostumo fora do mundo do circo e sempre volto", explica. Incorporado ao projeto de Xereta, Alex tem um núcleo familiar quase que totalmente circense. Os filhos Adriana, Léo, Bolinha e Vitória, são respectivamente equilibrista, malabarista, palhaço e dançarina no D´Itália.

E O SHOW VAI COMEÇAR!
Durante a conversa, o repórter percebe que o respeitável público começa a chegar, a partir de 16h30, embora Josemar tivesse dito antes - com razão - que metade do público chega após às 17h e reclama que o espetáculo já começou, de maneira que um leve atraso tornou-se a regra. O público do domingo difere do da sexta: muitos pais com filhos pequenos, os homens no estilo "domingão", trajados com camisa, short e chinelos ou sandália de couro; as mulheres, de vestidos ou blusa e short jeans. Quando os espectadores começam a se instalar nas cadeiras de plástico, o som ambiente - em alto volume - alterna músicas infantis ("Patati Patatá"), funk e tecno, numa salada que, estranhamente, funciona, um misto de tradição e modernidade. Ninguém acessa aparelhos celulares, as crianças imploram para os pais os balões de Bob Esponja e Galinha Pintadinha e nenhuma exibe celulares, Iphones, Ipodes nem artefatos tecnológicos como tanto se vê nos shopping centers.
Com a voz potente e oculta do locutor, as luzes coloridas e o hit "Gangan style", do cantor sul-coreano Psy, a primeira atração é anunciada, um espetáculo de mágica com as "Irmãs Gigli", belas e tímidas, que conquistam a plateia com mágicas básicas e feitas com atenção. Em seguida, o palhaço Pipoquinha inicia uma das tradições mais sólidas de circos de pequeno porte: interagir com as crianças. Sem falar uma palavra, num mutismo artístico a Chaplin e Buster Keaton, ele chama 6 infantes ao picadeiro para brincadeiras diversas.
A terceira atração é Adriana - filha de Alex - em belo e arriscado (não há rede de proteção, embora a altura seja pequena) espetáculo de equilibrismo em tecido. Outro palhaço, Bolinha (também filho de Alex) vem em seguida, para então, aparecer uma das atrações do circo, o malabarista Leonardo (sim, também filho de Alex), de 11 anos, que encanta o público com o carisma e a habilidade com malabares, argolas e chapéus. A sexta atração é o próprio Xereta, que também com carisma, leva crianças para o picadeiro para uma divertida dança das cadeiras. 
Depois, um breve intervalo para mais cachorros-quentes e pastéis, e o show retoma com a jovem dançarina vitória. Xereta retorna ao palco em sequência e para finalizar, uma modernidade para as crianças da geração TV-Internet: show musical com Bob Esponja e Pica-Pau, conhecidíssimos personagens de desenhos animados norte-americanos, ao som de funk! Aplaudidíssimo ao fim do espetáculo, Xereta convida pais e filhos a baterem fotos com os personagens no picadeiro, no que dezenas de adultos e crianças respondem imediatamente, aí, sim, sacando máquinas fotográficas e celulares. "Não saberia viver de outra forma", havia dito Josemar-Xereta horas antes. Vendo as expressões das crianças ao serem fotografas com ele e os personagens, é possível entender porquê. Ao sair do espaço do Circo, o sentimento era de quem empreendia uma viagem tempo-espaço. A magia do circo, como se diz, ainda existe sim! E, às vezes, mais perto - e de maneira mais simples - do que imaginamos.

(Reportagem publicada no livro "Anotações sobre a arte circense no Rio Grande do Norte", organizado por José Correia Torres Neto, publicado pela Fundação José Augusto em 2014)


Fotos: Ananda Carvalho


2 comentários:

  1. Que pena que o circo beija flor acabou , foi um dos melhores que ja fiu

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  2. Que pena que o circo beija flor acabou , foi um dos melhores que ja fiu

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