Cefas
Carvalho
Circos de
pequeno e médio porte invariavelmente remetem a uma nostalgia, a um resgate de
um passado não muito distante, mas que, pelos avanços tecnológicos, parece ter
existido a uma eternidade. Essa foi a primeira impressão deste repórter a, na
noite de sexta-feira dia 6 de junho de 2014, chegar à bilheteria do Circo
D´Itália, instalado na ocasião em terreno baldio em frente à indústria Gerdau,
por trás da Brasinox, no bairro chamado de Parque Industrial, no município de
Parnamirim, a pouco mais de 3km do recém desativado Aeroporto Internacional
Augusto Severo.
O circo havia
estado três semanas antes em Cajupiranga, também em Parnamirim, onde havia
iniciado os contatos com a equipe do circo na intenção de produzir a
reportagem. A mudança de bairro fizera bem ao circo. "Estas três semanas
estão sendo de casa quase cheia e muito contato com a população do
bairro", afirmou o secretário, relações humanas e porteiro do circo,
Alexandro Barbosa, o Alex, antes mesmo do espetáculo começar. O dono do circo,
o palhaço Xereta, estava organizando o início do espetáculo de maneira que foi
marcada entrevista e conversa para o domingo dia 8 de junho, dois dias depois,
dia em que o circo funciona com matinê (às 17h) e noturno (às 20h30). Alex parecia
satisfeito com a lotação da sexta, motivada em parte pelo preço promocional da
sexta (R$ 2,00 por pessoa, adulto ou criança).
Observando em
volta, a atmosfera de nostalgia se faz presente. A lona do picadeiro no centro,
cercada pelos trailers das famílias e funcionários do circo, além da área de
lanches e caminhões. Como a noite é para observar o funcionamento externo,
percebe-se que muitos jovens se fazem presentes. Um funcionário que não quer
dizer o nome explica que nas sextas sempre há mais jovens em grupos, tanto pelo
fator do preço barato como porque eles colocam o circo como começo da saída da
noite de sexta. Pouco mais de 300 pessoas na noite de sexta e boa movimentação
na área de lanches, importantíssima no faturamento do circo, administrada por Maria,
esposa de Alex. Os produtos vendidos são cachorro quente, batata frita, algodão
doce e maçã do amor, além de refrigerantes. Devidamente experimentados - e
aprovados - por este repórter os dois primeiros itens, é marcada com Alex uma
visita para o domingo, dia maior do circo.
Antes das
15h30, chego ao circo, ainda em começo de preparação para o espetáculo das
17h30, tudo bem tranquilo, como se todos soubessem exatamente o que lhes
compete fazer. Conhecer o dono do empreendimento, Josemar Soares da Silva, o
palhaço Xereta. Alto (1,90 de altura), simpático, jovem (33 anos) e articulado,
ele conversa sobre como tudo começou. "Na prática, minha vida de circo
começou quando eu era criança, tinha 10 anos, eu e um amigo de infância um
pouco mais velho, que hoje é o palhaço Macarrão (dono do Circo Royal, que se
instala em bairro de Natal) montamos um circo no quintal da minha casa, no
bairro de Felipe Camarão. Essa iniciativa deu tão certo que virou uma coisa
constante, atraindo gente e até mesmo reportagens da TV Ponta Negra e da
extinta TV Manchete, que se espantaram à época de duas crianças empreenderem um
circo em funcionamento no quintal de uma casa", recorda.
Dois anos
depois, com o circo em funcionamento, um fato inusitado: "A Fundação José
Augusto mantinha um circo-escola de pequeno porte e nos passou a administração
dele. Acabei sendo o responsável pelo circo, que chamamos de Circo União, de
maneira que com 12 anos era, na prática, o dono dele, talvez o mais jovem dono
de circo da história do Rio Grande do Norte", diverte-se.
O sonho do
circo dos pré-adolescentes terminou quando o pai de Josemar proibiu o filho de
dar continuidade ao circo. "Dessa forma, nos desfizemos da estrutura do
circo, que tempos depois acabou desativado e levei a sério os estudos, terminando
o, na época, segundo grau. Terminando os estudos com 18 anos, decidi me dedicar
de vez ao circo, comuniquei minha decisão a meu pai, que teve de aceitar, e fui
trabalhar no Circo Beija Flor e depois no circo do palhaço Facilita (primeiro
circo que assisti na vida, quando criança), que me ensinaram muito. Na época eu
era malabarista e equilibrista. Curiosamente, hoje Beija Flor, que desativou o
circo há anos, trabalha comigo", lembra.
O PRÓPRIO CIRCO
De tanto
trabalhar e com espírito empreendedor, veio a segunda etapa da sua carreira
circense: abrir o próprio circo, com o dinheiro economizado e a ajuda de
familiares e amigos. Em 2007, Josemar inaugurava, então, o Circo D´Itália.
Juntando profissionais do circo, amigos e ex-companheiros de trabalho, esbarrou
em uma tradição circense: "Pelo menos no Nordeste em circos de médio e
pequeno porte, o dono do circo tem de ser um palhaço. É o que segura o circo, o
que chama o público, a alma do negócio, enfim", analisa. Criou coragem
segundo suas próprias palavras, e encarnou o Palhaço Xereta, se valendo da
altura, da voz possante, do bom humor e da observação dos palhaços com quem
trabalhou.
Nos sete anos
do início do circo até junho de 2014, sua vida profissional e sua vida pessoal
se mesclaram e se consolidaram. O Palhaço Xereta agradou os espectadores e o
circo ganhou mundo. Percorreu municípios do interior do Rio Grande e desceu
para cidades da Paraíba e Pernambuco durante anos até que em 2013 resolveu se
firmar novamente em solo potiguar, priorizando bairros de Natal e Parnamirim
(além dos citados, o circo vai com frequência a Bela Vista e Joquei Clube), e
já se preparando para chegar a Ceará-Mirim e São Gonçalo do Amarante.
Como o
adolescente apaixonado por circo cresceu no processo, casou-se com Carla e teve
Laiane e Mateus. Este, de 4 anos, é uma espécie de mascote do circo e atração à
parte. Desenvolto, acaba participando dos espetáculos e já mostra talento para
o humor. Indagado sobre a cultura dos circos serem núcleos familiares, Josemar
confirma que é inevitável que isso aconteça, tendo em vista o caráter
itinerante do circo e a própria atração que o universo circense exerce sobre as
crianças.
Mas, nem só de
delícias vive o universo circense. As dificuldades são muitas e a pergunta
"É possível arrecadar o suficiente para manter o circo e remunerar a
todos?" acaba sendo inevitável. "É difícil, sim, muito difícil, a
gente vive e trabalha no limite. Os gastos são muitos e as necessidades de
alimentação e locomoção também", explica. Ele cita como exemplo de gasto a
lona central, que precisa de resistente e de qualidade, sob pena de afundar
qualquer circo, e que custa R$ 50 mil e necessita ser trocada a cada três anos
em virtude do desgaste natural de sol forte e chuvas.
Outro problema
vivido por quem mantém um circo são as taxas e alvarás. Josemar se mostra
elegante e diplomático, mas, deixa escapar que em alguns municípios os fiscais
são mais rigorosos que em outros. "Uma taxa de, por exemplo, quinhentos
reais, é quase nada para uma Prefeitura, mas, uma fortuna para nós principalmente
em virtude dos preços que cobramos, que são os valores que a comunidade pode
pagar", desabafa.
A conversa com
Josemar poderia durar horas, mas ele é lembrado que em pouco tempo o espetáculo
começaria e no papel duplo de se maquiar para encarnar o Palhaço Xereta e
administrar o empreendimento ele pede licença e o repórter vai conversar com
Alex, que administra o pessoal da bilheteria, lanches e dá uma força na
portaria quando o fluxo de espectadores está maior. Igualmente simpático e
solícito, Alex tem história oposta a de Josemar. Nasceu em família circense,
filho do Palhaço Rum Montilla e de Francisca, que trabalha com fogo em circos
de pequeno porte. Criança que se formou nessa atmosfera, tornou-se o Palhaço
Cocorote, mas, em alguns anos, após trabalhar em circos como Califórnia, Mônaco
e Santino, decidiu que preferia a parte burocrática do circo e especializou-se
em secretariar circos. "Tentei abandonar o mundo circense, fui empresário
de doces e algodão doce, mas não me acostumo fora do mundo do circo e sempre
volto", explica. Incorporado ao projeto de Xereta, Alex tem um núcleo
familiar quase que totalmente circense. Os filhos Adriana, Léo, Bolinha e
Vitória, são respectivamente equilibrista, malabarista, palhaço e dançarina no
D´Itália.
E O SHOW VAI
COMEÇAR!
Durante a
conversa, o repórter percebe que o respeitável público começa a chegar, a
partir de 16h30, embora Josemar tivesse dito antes - com razão - que metade do
público chega após às 17h e reclama que o espetáculo já começou, de maneira que
um leve atraso tornou-se a regra. O público do domingo difere do da sexta:
muitos pais com filhos pequenos, os homens no estilo "domingão",
trajados com camisa, short e chinelos ou sandália de couro; as mulheres, de
vestidos ou blusa e short jeans. Quando os espectadores começam a se instalar
nas cadeiras de plástico, o som ambiente - em alto volume - alterna músicas
infantis ("Patati Patatá"), funk e tecno, numa salada que,
estranhamente, funciona, um misto de tradição e modernidade. Ninguém acessa aparelhos
celulares, as crianças imploram para os pais os balões de Bob Esponja e Galinha
Pintadinha e nenhuma exibe celulares, Iphones, Ipodes nem artefatos
tecnológicos como tanto se vê nos shopping centers.
Com a voz
potente e oculta do locutor, as luzes coloridas e o hit "Gangan
style", do cantor sul-coreano Psy, a primeira atração é anunciada, um
espetáculo de mágica com as "Irmãs Gigli", belas e tímidas, que
conquistam a plateia com mágicas básicas e feitas com atenção. Em seguida, o
palhaço Pipoquinha inicia uma das tradições mais sólidas de circos de pequeno
porte: interagir com as crianças. Sem falar uma palavra, num mutismo artístico
a Chaplin e Buster Keaton, ele chama 6 infantes ao picadeiro para brincadeiras
diversas.
A terceira
atração é Adriana - filha de Alex - em belo e arriscado (não há rede de
proteção, embora a altura seja pequena) espetáculo de equilibrismo em tecido.
Outro palhaço, Bolinha (também filho de Alex) vem em seguida, para então,
aparecer uma das atrações do circo, o malabarista Leonardo (sim, também filho
de Alex), de 11 anos, que encanta o público com o carisma e a habilidade com
malabares, argolas e chapéus. A sexta atração é o próprio Xereta, que também
com carisma, leva crianças para o picadeiro para uma divertida dança das
cadeiras.
Depois, um breve intervalo para mais cachorros-quentes e pastéis, e o
show retoma com a jovem dançarina vitória. Xereta retorna ao palco em sequência
e para finalizar, uma modernidade para as crianças da geração TV-Internet: show
musical com Bob Esponja e Pica-Pau, conhecidíssimos personagens de desenhos
animados norte-americanos, ao som de funk! Aplaudidíssimo ao fim do espetáculo,
Xereta convida pais e filhos a baterem fotos com os personagens no picadeiro,
no que dezenas de adultos e crianças respondem imediatamente, aí, sim, sacando
máquinas fotográficas e celulares. "Não saberia viver de outra
forma", havia dito Josemar-Xereta horas antes. Vendo as expressões das
crianças ao serem fotografas com ele e os personagens, é possível entender porquê.
Ao sair do espaço do Circo, o sentimento era de quem empreendia uma viagem
tempo-espaço. A magia do circo, como se diz, ainda existe sim! E, às vezes,
mais perto - e de maneira mais simples - do que imaginamos.
(Reportagem publicada no livro "Anotações sobre a arte circense no Rio Grande do Norte", organizado por José Correia Torres Neto, publicado pela Fundação José Augusto em 2014)
Fotos: Ananda Carvalho
Que pena que o circo beija flor acabou , foi um dos melhores que ja fiu
ResponderExcluirQue pena que o circo beija flor acabou , foi um dos melhores que ja fiu
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