sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Entrevista com Lívio Oliveira: “Os literatos potiguares têm que sair da cultura do coitadismo”

Procurador federal, escritor, poeta, militante cultural, Lívio Oliveira é isto tudo e um pouco mais. Autor de diversos livros publicados, ex-presidente da UBE-RN, ele esteve na redação do PN, onde conversou com os jornalistas José Pinto Junior e Cefas Carvalho sobre literatura, mercado editorial, poesia e cultura potiguar. Confira:

Lívio, fale sobre a sua última obra publicada?
Meu mais recente trabalho é o “Teorema da Feira”, esse livro de poesias que de uma certa forma eu considero meu trabalho mais maduro. Não só porque cronologicamente é o mais recente, mas porque envolve uma série de fatores do amadurecimento do poeta que eu acho que estão aqui refletidos. Uma poesia mais elaborada, mais cuidada. E eu acho que esse é o marco que eu devo seguir adiante, com um novo momento da minha poesia.

Sempre se comentou que no RN a cultura é muito difícil, mas também sempre se comentou que não havia música, mas vemos hoje muitos nomes estourando nacionalmente. Esse movimento que está acontecendo com a música tem chances de acontecer na literatura? Por que a literatura potiguar não ultrapassa fronteiras?
Acredito que o fato dessas pessoas fazerem sucesso atualmente, não signifique que antes já não havia um movimento na música. Eu acho que hoje em dia é onde nós somos mais fortes. Existia esse movimento, mas agora estão tendo a oportunidade de serem visualizadas em nível nacional. Existe, sim, uma preocupação com relação a nossa cena cultural, a implementação dos nossos valores, porque, de fato, a gente sabe que existe qualidade aqui. Tanto nas artes plásticas, quanto na música, quanto na literatura e em outras áreas. E o que acontece? A gente pensa que falta incentivo público, falta termos alguns patrocínios, mas eu acho que falta algo também no que diz respeito à própria movimentação interna dos artistas. Acho que, às vezes, principalmente na literatura, a gente não se une no sentido de valorizar o que é nosso. Está sempre naquela condição de escritor da terra ou escritor regional ou escritor local, expressões que muitas vezes não são felizes em decorrência daquilo que a gente sabe. Porque existe, sim, qualidade e muita gente aqui. Mas algo impede que haja um crescimento no sentido de alcançar outros lugares, ultrapassando os limites do RN. Eu acho que tem uma espécie de “coitadismo” aqui. Ceará e Paraíba dão exemplos fantásticos de como fazer as coisas, como levar os nomes daqueles artistas para outras terras. Pernambuco tem um orgulho, uma vaidade de serem artistas que produzem bem, com um olhar circular, um olhar abrangente.

Como está sendo a ação das entidades culturais, especialmente da UBE e da Academia?
Eu tenho conversado com as pessoas, alguns intelectuais. Eu acho que essas entidades precisam cada vez mais se abrir, deixar de ser conservadoras, para viver esse novo momento contemporâneo, que é rico, cheio de informações novas, de diálogos novos e essas entidades muitas vezes ficam nos próprios umbigos. São os 40 da Academia ou os associados da OBE, precisa haver um trabalho de conscientização e formação do público leitor do RN, avisando que nós existimos. Os escritores existem. As escolas precisam nos conhecer. A gente precisa ter espaço nos jornais e outras instituições precisam também ingressar nisso, fazendo com que nós, não necessariamente com esse rótulo de “autores locais”, tenhamos incentivo das entidades e quem sabe dos governos para que nós cresçamos e saíamos deste momento que estamos, de timidez. A gente precisa ultrapassar essa timidez que já está ficando caracterizadora da nossa realidade literária e cultural no RN. Precisamos ganhar espaços principalmente aqui, porque nem aqui temos um mercado.

O gargalo estaria na distribuição?
Distribuição, divulgação, informações sobre os nossos escritores. A gente precisa criar um mercado e o fato é que esse mercado não existe.

Você não acha que falta uma política para se fortalecer internamente em uma maior conexão entre os escritores e as escolas? Como você vê esse distanciamento entre os produtores de literatura e as escolas?
Felizmente eu acho que isso está mudando um pouco. Por exemplo, eu vejo festivais literários acontecendo dentro das escolas. Nesse ano eu vi dois ou três colégios particulares importantes de Natal fazendo festivais literários e as escolas públicas é que devem ser trabalhadas nisso, ainda  mais porque há o interesse governamental, administrativo, público, político no sentido da melhoria da educação e da cultura do nosso povo. Então, isso precisa de administrações que tenham visões. Eu acredito que Natal está melhor agora. Teve um período muito difícil, todo mundo sabe, que as coisas praticamente não aconteciam.  Agora eu acho que a gente vai caminhar melhor pelo menos por um tempo até que as coisas se solidifiquem. Solidificação de determinadas estratégias, de determinadas políticas e metas a serem cumpridas com o objetivo de nós termos, sim, a valorização da nossa cultura, da nossa literatura, das nossas artes em geral.

Como é a relação dos escritores com as redes sociais? Eles ainda não perceberam que elas chegaram para ficar?
Os que perceberam estão tendo sucesso, divulgando melhor os seus trabalhos.  Eu percebo alguns, que inclusive têm mais de 50 anos e estão na internet, estão se tornando muito mais conhecidas a partir disso. A internet permite que se coloquem textos curtos e é uma forma de divulgar a qualidade literária. É uma mostragem e aquilo ali pode ser elaborado de uma forma melhor. Além disso, existem outros meios na internet que não são as redes sociais, como Twitter e Facebook. Então, hoje a internet, para mim como escritor, tem sido valiosíssima. Meus trabalhos, minhas apresentações, minhas explanações que eu tenho feito, todas elas eu posso divulgar em tempo real e posso ter uma interação imediata com o público, recebendo uma crítica honesta ou uma observação para melhorar meu texto ou um elogio. Tudo isso faz com que a gente perceba como o texto pode ser trabalhado. Na internet você tem que saber filtrar a informação que você vai passar e filtrar a informação que você vai receber, ou então você vai se perder nesse mundo. A literatura pode ser muito bem cuidada na internet, eu vejo grandes escritores do Brasil na internet.

A gente percebe que as redes sociais tornam todo mundo especialista em poucos segundos, inclusive aconteceu uma polêmica muito grande de pessoas muito novas e que não têm noção nenhuma de mundo jurídico comentarem assuntos do Supremo. Como procurador, de que forma você vê isso?
Eu vejo com uma naturalidade. Concordo parcialmente, mas acho que vivemos em um momento democrático. Tem que se permitir isso aí. Agora, há uma banalização. Todo mundo quer entender de tudo, às vezes colocam umas opiniões que não têm sentido nenhum e a gente tem que saber filtrar. Eu não me perturbo mais com algumas observações, eu só me perturbo com má fé. Por exemplo, dizer que o PT criou os black blocks propositalmente pra prejudicar os movimentos sociais. São esses tipos de informações que são totalmente absurdas e terminam desinformando. Inclusive, eu deixei até de comentar sobre política nas redes sociais. Vou tomar minhas posições mais claramente quando chegar perto da campanha política, porque agora nesse intervalo acontece de a gente colocar alguma opinião e obter alguma reação agressiva dos próprios amigos. O fato é que você tem que andar com cuidado ali, pisando em ovos, tateando para não cometer determinados erros estratégicos que acabam te prejudicando.


Foto: Luana Bittencourt

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